Quem é Neóra Francis?
- Arthur Salazar
- 3 de out.
- 7 min de leitura
Neóra Francis é especial. Essa premissa é a base de tudo que vem a seguir, e alicerce fundamental pra que você entenda onde estamos. O congolês chegou ao Minas Tênis Clube na última temporada como uma aposta, e em poucas semanas, virou realidade. Francis é um ala de 15 anos (2009) de 2.04m de altura e 2.10m de envergadura, que tem impacto constante na pressão de aro no ataque e proteção de aro na defesa. É um dos jogadores com melhor potencial de recuperação que eu me lembro de ver no basquete de formação brasileiro, com o melhor repertório de enterradas em muito tempo. Premissa batida!
Francis é plasticamente um fenômeno raro. O que ele faz em quadra é tão especial quanto assustador, e garante, no mínimo, o entretenimento que o faz já um projeto de estrela antes de completar dezesseis anos de idade. Dito isso, o jovem é naturalmente um prospecto em franco desenvolvimento, com claros pontos de melhoria e questões posicionais, físicas e motoras, que inspiram paciência e cuidado nas projeções.
Abaixo, a ficha completa dos números do jovem.
{@CBI U17 — Campeonato Brasileiro Interclubes}
15.0 PPJ | 16.8 RPJ (5.1 ROFPJ) | 2.3 APJ | 2.8 TPJ | 1.0 BRPJ | 3.8 ERRPJ
59.3% AQ | 16.6% 3PT | 36.1% LL | 63.7% 2PT | 34.3 MINPJ
{@CBI U19 — Campeonato Brasileiro Interclubes}
6.0 PPJ | 6.7 RPJ (3.3 ROFPJ) | 1.2 APJ | 2.0 TPJ | 1.3 BRPJ | 1.3 ERRPJ
51.9% AQ | 0.0% 3PT | 36.4% LL | 53.3% 2PT | 19.6 MINPJ
{@LDB U22 — Campeonato Brasileiro Interclubes}
2.1 PPJ | 1.9 RPJ (0.6 ROFPJ) | 0.7 APJ | 0.4 TPJ | 1.4 BRPJ | 0.6 ERRPJ
41.1% AQ | 25.0% 3PT | 0.0% LL | 46.2% 2PT | 6.7 MINPJ
{@Liga Ouro — Segunda Divisão Nacional}
3.1 PPJ | 3.6 RPJ (1.6 ROFPJ) | 0.7 APJ | 1.5 TPJ | 1.2 BRPJ | 1.2 ERRPJ
35.5% AQ | 0.0% 3PT | 30.4% LL | 46.2% 2PT | 13.5 MINPJ
Com o auxílio dos números, tudo fica mais claro. Francis é um excelente defensor de recuperação, apostando em tocos, principalmente na passada caçando o finalizador, e impactante na linha de passes e com roubos de bola. Tal caráter gera um volume de STOCKS (BOLAS RECUPERADAS + TOCOS) que é impressionante, e determinante pra explicar Francis como um jogador que sustenta bem na defesa de X1, mas que cresce como um ajudante defensivo. Vale pontuar que no CBI U19, o ala foi colocado em vários momentos na função de parador contra o melhor atacante adversário, e teve bom efeito. Mas, é como defensor na ajuda que ele apresenta o maior potencial.
No ataque, Francis é muito dependente do jogo de transição. Hoje, o jovem não tem um arremesso que justifique qualquer preocupação defensiva, e tudo bem! Aos 15 anos, já é um dos jogadores com mais teto de pressão de aro na transição, mesmo sem repertório pra bandejas ou fisicalidade e contato no ar. A explosão vertical e aceleração de Francis são suficientes pras categorias de base. Dito isso, é inegável o perfil unidimensional do seu ataque. Quando na meia quadra, joga como um inteligente batedor bloqueios, e conecta bem passes. Mas depende muito do salto na passada (1-2) com auxílio da corrida, pra pressionar o aro. Coisa que, no jogo apertado e menos espaçado de meia quadra, é praticamente impossível de achar.
A ausência de drible e ameaça sem a bola, além do Dunker Spot, é uma questão. Mas é o baixo aproveitamento no LL que mais trava o real impacto de Francis. Sem eficiência na bola mais importante do basquete, as defesas são encorajadas a colocar o congolês na linha e tiram o impacto da pressão de aro. Resolvendo isso a curto prazo, Neóra já conseguiria dar um salto muito mais realista do que com a construção mecânica de dribles e arremessos. Assim, abraçaria o arquétipo de um corredor pressionador de aro, que defende nos três níveis com boa sustentação, e é um ajudante com um pé no carimbo geracional.
Se a definição da última frase vier à realidade, Neóra Francis já é um jogador de basquete raro. Por isso, é o projeto de maior teto no Brasil ao lado de Edu Santos, e tema quente em todas as rodas de conversas que se prezem. Aliás, são tantas vozes que falam sobre Francis, que é melhor ouvir a dele. Abaixo, Neóra fala.
[ENTREVISTA]
Quem é Neóra Francis? Quem são suas referências?
“Basicamente, sou sempre considerado um solitário. No fundo, sou uma pessoa muito focada e determinada. Não falo muito, prefiro deixar que minhas ações falem por mim. Trago energia e sempre tento motivar meus companheiros de equipe, mas é uma tarefa difícil, porque tenho um grande problema de comunicação com a barreira da língua. Mas sempre tento dar o meu melhor. Fora das quadras, como disse, sou bastante solitário e reservado. Gosto de me distanciar para me concentrar principalmente em mim mesmo, permanecer no meu canto, mas sempre com o objetivo de progredir. Eu me concentro no trabalho, na disciplina e, principalmente, na minha família. A família é a coisa mais importante para mim. Sobre minhas referências, o Giannis Antetokounmpo me inspira com sua história e tudo o que já superou. A trajetória dele mostra que os sonhos podem se tornar realidade se nos esforçarmos ao máximo. Já o Kobe Bryant me inspira na minha mentalidade em relação ao basquete: é através dele que construo minha mentalidade de jogo e de treino, o objetivo de sempre querer ser o melhor, de sempre querer superar todos os desafios.”
O que te fez se apaixonar pelo basquete?
“Foi através do mangá ‘Kuroko no Basket’, que meu tio assistia com frequência, que conheci o basquete. O que me fez gostar de basquete foram as enterradas do mangá. Foi a partir daí que comecei a procurar vídeos de basquete e, em vez de pesquisar por vídeos de jogos, foram os vídeos de enterradas os primeiros que comecei a assistir. Era só nisso que eu estava interessado. Comecei a assistir vídeos no canal Dunkacademics e fiquei deslumbrado. Foi aí que comecei a me interessar cada vez mais por basquete. No início, eu adorava boxe; meu tio era um boxeador amador e, quando criança, eu me identificava com ele. Por isso, treinava com meu tio todas as manhãs antes de ir para a escola. Quando comecei a me interessar por enterradas, eu assistia a vários vídeos no celular dele. Comecei a falar com ele o tempo todo sobre basquete, que queria começar a pular muito alto para enterrar. Como o clube de boxe dele treinava em uma escola pública que tinha uma quadra de basquete, ele começou a me levar para os treinos e, enquanto ele treinava boxe, eu jogava basquete. Foi assim que tudo começou.”
Como chegou o convite do Minas?
“Foi graças ao meu agente que o clube me descobriu. Quando cheguei ao Brasil, fui muito bem recebido. No início, a comunicação foi muito difícil porque, basicamente, meu inglês era muito ruim, então eu tinha muita dificuldade para me comunicar. A equipe tinha um tradutor para me ajudar, uma pessoa que falava francês muito bem. Foi graças a ele que me adaptei logo; ele me ajudou muito. O mais difícil foi a comida. No começo, tive dificuldade para me alimentar bem, porque a comida aqui no Brasil é diferente da que estou acostumado no meu país. Aos poucos, fui me adaptando à cultura brasileira. No início, a comunicação em quadra era difícil e eu tinha dificuldade para seguir as instruções dos treinadores. O ponto mais desafiador era jogar com os jogadores mais velhos; o jogo era mais rápido, mais intenso e mais físico. Mas, com o apoio dos companheiros de equipe e com a paciência dos treinadores, comecei a me ajustar. Comecei a fazer treinos extras para me preparar mais rápido. Treinei antes e depois das aulas, além dos treinos da equipe, o que me ajudou a me adaptar de fato. Emocionalmente, é sempre difícil estar longe da minha família. Mas os treinadores estão sempre presentes para me dar a certeza de que tenho tudo o que preciso.”
O que te faz ser tão diferente?
“Sonho em um dia ser lembrado como uma das grandes lendas deste esporte. Quero ser diferente, ser único. Uso minha explosão para sempre ser impactante durante os jogos; seja na defesa ou nas enterradas, sempre coloco intensidade em tudo o que faço. Tocos e enterradas não são só jogadas chamativas; eles também podem mudar o ritmo do jogo e dar energia para o meu time. É por isso que sempre tento colocar intensidade e energia nas minhas jogadas; acho que é isso que as torna impactantes.”
Como foi a experiência de jogar a Liga Ouro e os CBIs U17 e U19?
“Quando joguei na Liga Ouro, realmente senti que eu estava chegando a outro mundo. Eu era um jogador jovem contra atletas já experientes, mais físicos, mais acostumados a grandes jogos. O nível era muito mais alto do que o que eu jogava na minha categoria. Mas, em vez de ficar com medo, isso me deu força. Aprendi, e isso me ajudou a crescer mais rápido mentalmente e me motivou a trabalhar ainda mais meu físico. Hoje, acho que essa experiência fortaleceu meu caráter; isso me ajudou a causar impacto durante o CBI U17 e me ajudou a ter confiança em mim mesmo e a me destacar durante o CBI U19. Sempre me esforcei mais quando jogo na defesa. É fácil encontrar um bom jogador no ataque, mas jogadores que atuam bem nos dois lados são raros. Jogar com jogadores mais físicos e mais experientes me ajudou a desenvolver minha leitura do jogo e a melhorar ainda mais minha defesa.”
O que falta no seu jogo?
“Hoje, meus pontos fortes são minha explosão e defesa, mas quero continuar a desenvolver meu arremesso de fora, minha capacidade de ler o jogo e minha consistência. Meu objetivo é ser um jogador completo, capaz de causar impacto em todos os níveis.”
A amarelinha está no seu radar ou você prioriza o Congo?
“Representar uma seleção nacional é o sonho de qualquer jogador. Para mim, o que importa é evoluir ao mais alto nível. Se eu pudesse representar as cores do país que me acolheu e me ajudou a crescer como jogador, isso me deixaria muito orgulhoso.”
Onde você quer estar em cinco anos?
“Jogar na NBA é um sonho para mim, mas sei que é preciso trabalhar e progredir um passo de cada vez. Por isso, me esforço para melhorar tanto dentro quanto fora das quadras. Em cinco anos, quero estar no meu potencial máximo, evoluindo no mais alto nível e me aproximando desse objetivo.”
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